Quem estude um pouco as despesas militares a nível mundial nota facilmente que os países em vias de desenvolvimento gastam mais em defesa do que os países desenvolvidos. Estes últimos gastam uma média de 2,2% do PIB, enquanto que os países em desenvolvimento gastam uma média de 3,3% do PIB. No entanto, esta análise é simplista, pois se olharmos com mais atenção vemos que há diferenças entre as economias mais desenvolvidas da Ásia (que gastam em média 3,6% do PIB) e os países das outras economias desenvolvidas que gastam em média 2,3% do PIB.
No entanto, se olharmos para a Ásia no geral temos uma média 3,2% do PIB, o mesmo acontece em África. Já no Médio Oriente e na Turquia as percentagens andam nos 6,8% (as mais elevadas a nível mundial) e na América (exceptuando EUA e Canadá) temos uma média de 1,6% do PIB, o que faz com que os países centro-americanos e sul-americanos sejam daqueles que gastam menos com a defesa a nível mundial. Neste último caso, o Brasil, a Colômbia e o Chile lideram os gastos.
Portanto, de um ponto de vista global, a América do Sul gasta pouco em defesa e os vários países deste continente têm reduzido os seus orçamentos nessa área. As forças aéreas também sentem essa tendência e uma análise ao poder aéreo na região permite ver isso.
Existem à volta de 1027 aviões de combate e de transporte nas forças aéreas sul-americanas, dos quais uma alta percentagem não está em condições operacionais. Esta falta de operacionalidade é um sinal claro de que as verbas atribuídas não chegam para sustentar os meios em presença. Dessa forma, os aviões em serviço activo são poucos e nº de horas de voo também não é muito elevado. Com os níveis de financiamento actuais muitas forças aéreas terão que reduzir o nº de aparelhos e reestruturar a sua dimensão.
Olhando agora de forma mais atenta para o número de aeronaves vemos que o Brasil é o país que tem mais aparelhos (264), seguido pelo Peru (164), Argentina (144), Chile (116), Colômbia (113), Venezuela (73), Equador (73), Bolívia (54), Paraguai (16), Uruguai (10). É claro que estes números são sempre ilusórios a respeito do poder aéreo, pois muitos destes aparelhos não estão operacionais ou são modelos completamente ultrapassados.
Se olharmos agora para a aviação de combate vemos que muitos países usam aviões com mais de 20 anos de idade e que muitos precisam de ser substituídos. Há também uma predominância de aviões de origem francesa, nomeadamente da família Mirage.
Mas caças de geração mais recente são apenas usados no Peru (Mirage 2000 e Mig-29), na Venezuela (F-16A) e pouco a pouco no Chile com a compra do F-16C/D, além do Brasil que terá caças Mirage 2000C/B comprados em 2ª mão aos franceses. Mas neste panorama, o Chile destaca-se obviamente como sendo o país dotado do caça mais moderno da América do Sul, assim que estiver completa a entrega dos F-16s.
É óbvio que o Brasil, apesar de ter a maior força aérea da região, não tem ainda caças de última geração, mas a aquisição dos referidos Mirages 2000 e a modernização dos F-5 para o padrão F-5BR, dá a este país um maior poder de combate. O Brasil possui também uma boa frota de aviões de ataque com o AMX e com os novos AT-29 Super Tucano que começam a substituir o velhinho Xavante. É também dos poucos países na região a ter aviões AEW e de SIGINT, uma capacidade só existente no Chile e na Argentina.
Igualmente importantes em qualquer força aérea são os aparelhos de reabastecimento e de transporte. Os 6 países mais poderosos possuem aviões de reabastecimento, os restantes não. Quanto a meios de transporte nenhum país possui aviões de transporte estratégico (recorrendo quando precisam aos velhos Boeing 707) e as frotas de transporte táctico estão centradas na família do Lockheed C-130 e em aviões médios de transporte. A este nível há aparelhos muito velhos em serviço, que vão necessitar de ser substituídos nos próximos anos, mas só o Brasil e o Chile têm neste momento em curso processos de modernização das suas frotas de transporte. Mais uma vez, o Chile destaca-se aqui pela positiva com a aquisição de 2 ou 3 aviões A400M, que devido às suas características podem desempenhar missões de transporte estratégico.
Portanto, é possível encontrar na região, países que têm conseguido modernizar um pouco o seu poder aéreo, embora também se note que as forças aéreas sul-americanas herdaram estruturas pesadas e que deviam modernizar-se mais no sentido da redução do nº de aparelhos e da sua adequação aos novos cenários presentes no continente. É claro que esta análise aplica-se mais aos 7 países mais poderosos, dado que no fim da cauda vemos que a Bolívia, o Uruguai e o Paraguai, possuem obviamente meios aéreos escassos e que uma redução dos mesmos levaria praticamente ao desaparecimento do poder aéreo nestes países.
Mas o desafio mais importante que estes países têm pela frente no futuro é a integração e a cooperação em termos de defesa. É evidente que o poder aéreo na região podia ser melhor potenciado se houvesse mais cooperação e integração entre os países no campo da defesa. Seria interessante que os diversos países conseguissem criar alianças militares capazes de proporcionar a partilha de meios e de recursos como acontece na NATO.
A realização de exercícios conjuntos é uma 1ª fase dessa cooperação. A deslocação de meios aéreos e seu estacionamento em outras bases seria uma 2ª fase. E talvez numa 3ª fase fosse, por exemplo, possível a integração de estruturas de treinamento com aparelhos comuns a serem partilhados pelas diversas academias, como se pretende actualmente fazer a nível da NATO.
Parece-me evidente que nos próximos anos, a América do Sul vai continuar a ser o continente com menos gastos em defesa. Esta diminuição de verbas pode ser motivo de crítica, mas também é um sinal de que os países em questão possuem outras prioridades em termos de política e desenvolvimento. Sendo assim, não é de esperar que sejam adquiridos meios aéreos de vulto. Dessa forma, muitos países terão que reduzir as suas forças aéreas de forma a conseguirem verbas para alguma modernização. Seria de espantar que daqui 10-15 anos, as forças aéreas sul-americanas continuassem a ter quantitativos como aqueles que apresentam hoje. É evidente que estes números vão ter que diminuir no futuro sob pena de ser apenas um número virtual como já é hoje em dia.
Por outro lado, terá que existir uma maior aposta em meios de vigilância, alerta e inteligência electrónica, pois neste domínio só a Argentina, o Brasil e o Chile é que possuem aeronaves dedicadas e mesmo assim escassas. Os problemas e as ameaças em muitos países sul-americanos passam hoje em dia, pelo contrabando, narcotráfico, terrorismo e vigilância e preservação de recursos naturais. Desta forma, meios de vigilância e de inteligência electrónica são essenciais, assim como meios aéreos com capacidade COIN.
A renovação dos meios de projecção de forças (transporte e reabastecimento) deverá também ser uma prioridade. A falta de meios de transporte estratégico deverá ser acautelada devidamente.
Neste contexto, não deixa de ser curiosa a discussão que surgiu no Brasil à volta da aquisição de meios intercepção para a Força Aérea Brasileira (FAB), como se isso fosse o desafio mais importante que a FAB tinha à sua frente. O cancelamento do programa F-X foi obviamente um revés nas aspirações da força aérea de ter um caça moderno a operar no planalto central em substituição dos Mirage IIIs, completamente ultrapassados. A FAB precisava realmente de um interceptor minimamente credível nesta região e qualquer aparelho concorrente no F-X seria uma boa opção. O abandono deste programa e a compra de caças Mirages 2000C/B usados em França não foi certamente a melhor escolha, mas permitirá ao Brasil ter pelo menos um caça minimamente credível a operar como interceptor de primeira linha. Por outro lado, é importante destacar o esforço que o país está a fazer na modernização dos seus F-5E Tiger II, transformado este velho avião, num vector mais eficaz capaz também de executar missões de defesa aérea e de transportar mísseis BVR.
É claro que no actual contexto, o Mirage 2000 estará destinado a operar pelo menos até 2015, altura em que a FAB deverá precisar de um caça para substituir os F-5BR e os próprios Mirages. Nessa altura, o governo poderá optar por uma solução única para a substituição dos dois aparelhos. Há quem sonhe com o Rafale, mas parece pouco provável que num contexto de forte contenção nos orçamentos de defesa, que o Brasil tenha verbas para comprar um caça de última geração como o Rafale, mesmo que seja daqui a uma década.
Em suma, os países sul-americanos deverão olhar com muita atenção para a estratégia de modernização que tem sido seguida pelo Chile. Este país tem tido a preocupação em ter uma força aérea pequena, mas moderna. Devia ser um exemplo a seguir na América do Sul.